Apelação nº 7000427-16.2022.7.00.0000.
Palavras-chave:
Apelação, Injúria racial, Sentença absolutória, Lei nº 14.532/2023, Racismo, Crime de racismo, Princípio da não retroatividade da lei penal mais gravosa.Resumo
I. Autoria delitiva comprovada nos autos. A conduta criminosa ocorreu na presença de outros dois militares, os quais confirmaram ter ouvido as palavras injuriosas por parte do Acusado.
II. A injúria racial constitui delito formal e instantâneo, consumando-se quando a ofensa chega ao conhecimento do Ofendido. No caso, foi proferida diretamente e na presença do Sd de V., ocasião em que se sentiu altamente constrangido e humilhado pelo Acusado. Assim, a materialidade delitiva restou caracterizada indene de dúvidas.
III. A conduta do Apelado se amolda àquela ínsita no art. 140, § 3º, do CP, introduzida pela Lei nº 13.491/2017, que criou os crimes militares por extensão, combinada com o art. 9º, inciso II, alínea a, do CPM, porquanto presente, além do dolo representado pela vontade livre e consciente de injuriar, o elemento subjetivo especial do tipo, qual seja, o especial fim de discriminar o Ofendido por razão da sua raça e cor.
IV. O Acusado, ao proferir de forma depreciativa a expressão “um crioulo fazendo Economia”, apesar de negar ter dito tais palavras, o que foi rechaçado pelas testemunhas presentes, agiu de forma livre e consciente, com o intuito de injuriar o Ofendido. O termo pejorativo “crioulo” constitui um plus a caracterizar a presença do elemento subjetivo do tipo – animus injuriandi – constituído pelo especial fim de discriminar o Ofendido em razão de sua raça e cor, ferindo sua honra subjetiva (seu amor próprio).
V. O Acusado se considerava superior intelectualmente aos seus subordinados, em especial, aos soldados. Isso se conclui em face das suas palavras de que os soldados, apesar de terem o 2º grau do ensino médio, eram praticamente uns analfabetos.
VI. Segundo tal concepção do Apelado, um militar Oficial, seria absurdo um Soldado negro, não obstante lhe responder a alguns questionamentos em inglês, estar cursando nível superior e, ainda mais Economia. Sua atitude denotou a real vontade de discriminar o Ofendido, em razão da sua cor.
VII. O Ofendido, conforme depoimento prestado em Sindicância e em Juízo, sentiu-se ofendido e incomodado. No seu entender, a referida palavra “crioulo” possui conotação discriminatória, de cunho racial, restando configurada a materialidade delitiva.
VIII. A testemunha Cel C. A., superior que se encontrava presente no dia dos fatos, declarou que, no momento, a expressão facial da Vítima mudou totalmente, aparentando estar totalmente contrariado, o que configura a consumação instantânea do crime e o constrangimento imposto ao Ofendido.
IX. A antijuridicidade se encontra presente nos autos, porque inexistente qualquer causa de exclusão de ilicitude.
X. A culpabilidade, de igual forma, mostra-se indene de dúvidas, visto que o Acusado era oficial da reserva, exercendo função como Prestação de Tarefa por Tempo Certo (PTTC), sendo imputável à época. Ocupou a 2ª posição no Centro Logístico da Aeronáutica (CELOG). Assim, tinha pleno conhecimento do potencial da ilicitude da sua conduta, sendo-lhe exigível conduta totalmente diversa.
XI. Reforma da Sentença. Dosimetria da pena, observados os critérios legais e a Lei Maior. Aplicação, ainda, da pena de multa, porquanto preceito secundário do tipo incriminador, não havendo que se falar em aplicação de legislação extravagante in mallam partem, mas obediência aos Princípios da Legalidade e da Reserva Legal.
XII. Provimento ao recurso ministerial. Decisão por maioria.