Recurso em sentido estrito nº 7000679-19.2022.7.00.0000.
Palavras-chave:
Denúncia - rejeição, Ingresso clandestino, Princípio da consunção, Princípio da insignificância penal, Princípio do in dubio pro societate.Resumo
1. O crime de Ingresso Clandestino, sendo de mera conduta, dispensa resultado naturalístico. A entrada de agente em Organização Militar (OM), por onde seja defeso o seu ingresso, perfaz a subsunção do fato à norma. O sucesso da segurança
orgânica da “ultima ratio” do Estado (patrimônio humano, material e imaterial) depende da tutela emanada pelo art. 302 do CPM. O emprego de técnicas de escalada para a transposição de obstáculo robusto, erguido nos limites do quartel, denota dolo intenso.
2. O delito de ingresso clandestino é de natureza subsidiária e opera como “soldado de reserva”, não sendo absorvido pelo crime-fim de furto, na modalidade tentada, por hipótese concernente à aplicação do Princípio da Consunção, quando inexiste imputação à infração mais grave.
3. A rejeição da Denúncia, calcada na atipicidade material da conduta, pelo viés da insignificância e sem o mínimo de profundidade investigativa, constitui autêntico julgamento antecipado da “lide”.
4. As Forças Armadas, mediante a prevenção geral e especial previstas no CPM, apenas serão regulares e permanentes mediante a tutela confiada, pela Constituição Federal, à Justiça Militar da União. As OM estão dotadas do necessário aparato dedicado à defesa da sociedade e muito cobiçado pela criminalidade. Assim, resguardam-se vidas humanas, bens imateriais e materiais, inclusive de natureza bélica (armas, munições, explosivos, viaturas, aeronaves, embarcações etc).
5. A reprovabilidade da conduta do intruso merece, igualmente, censura no âmbito da vida civil, diante da inviolabilidade do domicílio do cidadão comum. Comparativamente, o ingresso clandestino, previsto na Lei Penal Militar, explicita parâmetros de proteção superlativamente mais robustos, em face da magnitude do bem jurídico posto em risco e do caráter público da tutela legal.
6. Os operadores do Direito, diante da realidade da segurança pública nacional, devem perceber, justamente por integrarem esta Justiça Especializada, que o eventual ingresso de agente, mesmo quando alegada a única intenção de comer frutas de árvore situada na OM ou de atalhar rotas, pode esconder planos futuros. Por exemplo, testar o plano de vigilância, conhecer melhor o sistema de segurança e as instalações para, mediante posterior operação criminosa, invadir o quartel, agredir pessoas, empreender sabotagem, obter vantagens ilícitas e/ou subtrair
armas.
7. Os diversos vetores que guiaram a tipificação do art. 302 do CPM merecem especial atenção. Além da nítida necessidade demanutenção da integridade e da credibilidade das Forças Armadas, esse tipo penal também resguarda a vida das Sentinelas e dos eventuais invasores. Flexibilidades jurisprudenciais fomentam a
criatividade criminosa e, ainda pior, trazem insegurança jurídica para os defensores das OM – Comandantes, Oficiais de Dia, Sentinelas etc.
8. A fase do juízo de prelibação, destinado ao exame da Denúncia, perscruta o atendimento dos requisitos legais exigidos nos arts. 77 e 78, ambos do CPPM. Nesse sentido, opera a análise da descrição minuciosa da conduta, em tese, delituosa, com todas as suas circunstâncias, supostamente reveladoras da materialidade, bem como os indícios suficientes da autoria, aos quais alude o art. 30 do CPPM. Nessa fase, há a prevalência do brocardo “in dubio pro societate”. Evita-se impedir, prematuramente, instrução processual, única capaz de elucidar potenciais ataques à última ferramenta de proteção da sociedade.
9. Provimento do Recurso Ministerial. Instauração do Processo Penal castrense. Baixa dos autos ao Juízo “a quo”. Decisão unânime.